TPM

Isto hoje está mau. A parentalidade positiva foi sair com as amigas e abandonou-me à minha sorte. Deu erro. A manhã já não foi fácil. O fim de dia, então, foi de loucos. Pelo meio, levei o dia inteiro a recriminar-me e a desejar a hora de os ver de novo para os poder estrefegar com mimos e com mais calma, a calma de quem levou o dia a recriminar-se e a pensar que não vai tornar. Mas… enervei-me sempre por coisinhas de nada, gritei imenso sem necessidade nenhuma (tivesse eu sido capaz de parar e racionalizar) e sei, sei mesmo, que a culpa foi sempre minha.

De manhã, saiu da cama ainda estava eu a tomar banho. Já fiquei nervosa porque já andava por ali a deambular sem que o pudesse, sequer, abraçar de bom dia. Lá me despachei o mais que pude, mas assim que abro a porta do duche oiço logo a televisão aos gritos. O tipinho tinha-se lançado ao comando e estava a recriar-se! Não foi logo aí que me exaltei porque ela, graças a Deus, não tinha acordado. Menos mal. Baixei o volume e troquei da TF1 para o Disney Júnior (“mããããe, quéio o Jake!”), que ele sempre fala melhor inglês (repara: Jake!) do que o francês. E isso deu-me tempo de me vestir. (Por esta altura já a parentalidade positiva estava nas couves, que eu, não só não fui competente para acordar suficientemente antes dele, como ainda por cima, sucumbi ao caminho mais fácil, que é o de ligar a TV e hipnotizá-los assim.)

Enquanto foi só ele, tudo bem. Miminhos e juras de amor eterno pra cima e pra baixo, sempre com um olho no Disney e uma mão a fazer-me festinhas no braço (a tal mania dele). O disparate começa no preciso momento em que a irmã dá sinal de que ainda vive cá por casa, acordou e agora vai-me querer só para si também! Eu dedicada a ela (ela tem 11 meses – precisa mesmo das minhas duas mãos!) e só ouvia barulhos de coisas metálicas a bater em vidro. Merda! A janela aberta e a varanda à disposição!! (Cá está. Erro meu, que não o abandonei sem antes ter acautelado a sua segurança, e não dele, que só aproveitou uma oportunidade para ir explorar, o meu pequeno Jake.) Ponho-me aos gritos “Manel!” “Maneeeel!” “OH MANEL!” (Outro erro. Mais valia agarrar nela e ir ter com ele, não é verdade, oh parentalidade positiva? Não se grita, bem sei. Vai-se lá ter com eles. Dá mais trabalho, mas resulta. Pois. Mas não hoje, que eu hoje não estava para aí virada, lamento.) Lá me aparece ele, coitadinho, com umas peças de ferramentas (olha! estas também estão ao nível da engenharia do post anterior. Não sei o que era aquilo. Para mim, O(V)NIS. Objetos não identificados que o meu marido guarda com desdém numa gaveta e que o meu filho gosta de ter nas mãos!), “mamã, eu tenho isto!” e estava a bater com aquilo no vidro, pois claro! Há lá coisa mais engraçada para fazer às oito da manhã (ainda nem isso)?! Ai, gggrrrrrr…. Com isto, já ela tinha ficado “dá-lhe uma, empresta-lhe outra”, coitadinha! (É a segunda…) E eu, por causa disso, pumba, mais um grauzinho na escala do enervanço.

Depois fez cocó. Sabes aquele cocó inoportuno? Aquele que aparece sempre quando estamos a sair? Foi um desses. Rai’s parta. Volta ao trocador. Ele balançando as pernas pra cima e pra baixo, capaz de cair dali abaixo ou, pior, de me dar um pontapé nas ventas. Lá começo eu e as palavras ocas: “cuidado!”. Bem sei, cara parentalidade positiva, que “cuidado” não diz nada, é vazio de conteúdo. Que o que eu deveria ter dito era “não faças isso com as pernas”. Mas não me ocorreu. Continuei a pedir-lhe cuidado até que ele me diz “CAUA-TE!”. O_O Malcriadão. Passei-me antes ter tido tempo para recorrer à parentalidade positiva e sair dali airosamente. Mandei-lhe dois gritos e, como isso me despejou alguma da raiva, já pude a seguir fazer como dita a parentalidade positiva e mostrar-lhe que estava zangada com ele e que teria que pedir desculpas antes de me voltar a ter contente e feilz para ele.

A outra chorando, claro, que também sente tudo. E está na “fase mãe”, que é aquela em que só nos querem a nós e tudo o resto é lixo e, quando digo “só nos querem a nós”, digo literalmente agarrada a mim como um carrapato. Isto é ótimo, filha, tu mantém-te assim até aos 30, por favor!, mas dá-me só aqui um jeitinho para que possa trocar um cocó ao teu irmão, achas que dá pra ser?, ou tenho que lhe passar as compressas pelo rabo cagado só com uma mão enquanto te agarro na outra anca?!

Bem, sei dizer que fomos andando a toque de caixa e com gritaria – eu desabafando, eles ora chorando ora dizendo coisas (que esta criança – dois anos, lembra-te! – não fala para se explicar, grita.). Não saímos de casa sem fazermos as pazes (oh parentalidade positiva, tu ’tá descansada!). Isso não. E claro que na primeira curva já estava ele entusiasmado com as cadelas dos vizinhos “mamãããã [lá está, aos gritos], óia aui a Quicas e a Shtauínha!”* e ela já ia a bater palminhas e aos “aah! AAh! AAAH!” [agora que penso nisso, ela também já grita! *levando a palma da mão à testa*], muito longe os dois das agruras por que tínhamos passado minutos antes.

Eu, levava um embrulho no estômago que não deslaçou ao longo do dia. Sempre a pensar neles, sempre com saudades, sempre a precisar do momento do reencontro.

Sim senhoras. Cheia de clareza de espírito, lá fui eu buscá-los à escola. Íamos ter os avós em nossa casa, que até nos levavam cerejas e morangos e tudo, não havia o que correr mal. Ela, amorosa, abriu-me logo um ganda sorriso quando me viu, o que todas sabemos, é logo coisa para te fazer sentir a Cleópatra, rainha do Egito. Lá se colou a mim (tão bom!, agora sim!!) e lá fomos buscá-lo a ele. Mas ele andava entretido no recreio e, ora, arrancá-lo da brincadeira é coisa demorada. Ela, que começou a assar no ovo, e também já dormia uma sestinha, passou logo de bem disposta a chatinha dos choriscos e eu comecei logo a encher-me de nervuras.

Ele lá veio, colaborante e querido, fomos para casa ter com os avós e as frutas todos contentes e animados, “mamã, óia auí a Shtauínha!”, mas eis que mal põe o pé em casa e sente os avós de roda da irmã, pumba, ativou o botão do disparate e foi de tudo: não deu beijinhos, partiu um copo a jogar à bola em casa – “Manel. Estás a ver porque é que a bola, dentro de casa, não é para andar pelo ar?”, ainda muito calma e educativa, “estás a ver os vidros? estás a ver que andamos descalços? podíamos – o quê? – fazer um…?” “…dói-dói…”, “pois claro, é muito perigoso, estás a ver?” – voltou a dar pontapés na bola e ela voltou a ir pra cima do móvel e só não se partiu mais nada porque não calhou, quis-se empoleirar para brincar com o pote do açúcar (o que seria?!), pôs uma camada de manteiga numa bolacha maria como se fosse a maionese que nos servimos para comer gambas cozidas, enfim, um chorrilho de disparates e chamadas de atenção enquanto a irmã andava, ora chorando ora quebrando, ao colo da avó a adormecer finalmente para a sua sestinha de fim de tarde. Coisa de meia horita. Quando acordou, fui com os dois para o banho.

Ontem já tinha tentado dar o banho aos dois ao mesmo tempo, mas não funcionou. Ela odeia o banho, grita que se mata e aquilo são punhaladas no meu coração.  Ele assusta-se com ela a chorar e nada feito. Teve que ficar ali a brincar enquanto eu a lavava e vestia a ela e também não ficou mal. Hoje, que estava com a macaca, não quis ficar de lado (a avó estava a ver, pois então!) e eu já gritava outra vez. Ela aos gritos, que chorava; eu aos gritos, que dava instruções; ele aos gritos, que queria a banheira de recém nascido; a avó a tentar chamá-lo à razão, mas aos gritos também, para se fazer ouvir por cima daquilo tudo. Um pandemónio. Eu a querer mandar um grito ainda mais alto para acabar com aquilo, tipo pancadas de Molière quando o teatro vai começar, estás a ver?, como se gritar fosse a solução (claro que não, parentalidade positiva, claro que não, bem sei, bem sei…) e às tantas, pumba, uma estalada na cara. Não, não. Não percebeste. Ele na minha!! O_O Parentalidade positiva o raio que o parta, ato contínuo, dei-lhe uma palmada no rabo. Ato contínuo, arrependi-me e chorei eu própria ao ver o vergão no rabinho nú. Meu rico filho, que só precisava de atenção e que, claramente, não está pronto para partilhar o banho, esse momento tão tátil e tão íntimo, tão criador de vínculos, com a irmã. Bem te basta tudo o resto, não é, meu querido? Eu sei, eu sei… A mamã sabe. Agora. Que já passou.

Outra vez fizémos as pazes e escusado será dizer que assim que os avós foram embora e se lhe acabou o público, acabou o drama. Jantámos tranquilamente (eu, a mãe, no fim e frio, já se sabe!) e fomos dormir de pazes feitas e com tudo sanado nas cabecinhas deles, tenho a certeza. Na minha é que ainda anda aqui isto tudo em turbilhão e daí as mil e seiscentas palavras deste texto. Desculpa lá! :/

* tradução: “olha ali a Quicas e a Estrelinha!”

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