Aprender com os erros

Agora que o Manel está a chegar àquela fase em que os miúdos já ficam bem sozinhos nas festas de aniversário, já vão à casa de banho sozinhos, já sabem pedir água se tiverem sede ou outra coisa qualquer de que precisem, já sabem que os pais não estão mas voltam (a minha Júlia ainda era capaz de ficar em pranto!) e até se comportam melhor se nós não estivermos, vou aqui reter umas notas para memória futura:

 

1. Não verás os convites para festas de anos como ofertas de babysitting grátis. 

Eu percebo. Há quem esteja ansioso por esta fase. Quanto não vale um par de horas sem as crias aos gritos e com solicitações? Quanto não dávamos por um bocadinho, só um bocadinho pequenino, em que podemos estar, só estar!, sem fazer nada? Ainda assim, trata-se de festas de anos. Aglomerados de pequenas pessoas com o instinto para o disparate na sua fase mais aguçada. A sério que viras costas tranquilamente e deixas o teu filho à mercê de riscos vários e à responsabilidade de terceiros, muitas vezes pessoas que só conheces de fugida da escola? Já nem falo de treparem a móveis e largarem-se de lá de cima e partirem as costas; imagina uma simples vontade de fazer cocó. A sério que não te importas que o teu filho fique a prender só por vergonha de pedir a quem não conhece para lhe limpar o rabo?

2. Mas também não serás a mãezilla que fica de vigia à cria por falta de vida própria.

Se a mãe do aniversariante te diz “voltem às tantas”, não vais deixar-te arrastar por ali, que até vai parecer que estás a ver se lanchas um pão de leite à pala! Confias. Dás um beijinho e vais embora. É aqui que entra o teu instinto e o que conheces do teu filho. Já tens o convite desde há uns dias. Se sentes que, por algum motivo, é melhor ele não ficar lá sozinho, então agradece e declina.

3. O instinto fala contigo. Ouve-o.

Mas se estás numa de que vais dar liberdade, vais reconhecer que ele está a crescer e que só lhe vai fazer bem a autonomia e a independência e até vais numa de, de facto, o deixar na festa e ir à tua vida, e se de repente, ao chegar, começas a ver que os animadores não têm mais de 18 anos (são eles próprios umas crianças, portanto, e têm zero de experiência parental), que és tu que tens que olhar em redor e mostrar ao teu filho o espaço para que se safe (onde estão as casas de banho, quem são os pais do aniversariante a quem deve pedir ajuda se for preciso, onde deve guardar o casaco e os sapatos se houver um trampolim…), e se começares a duvidar naquele momento da segurança do espaço ou da capacidade de vigilância dos adultos, revista mentalmente o ponto 1 e, sim, deixa-te ficar por ali cumprimentando um pai ou outro sem medo de parecer que te estás a fazer ao pão de leite, pelo menos até que o teu receio acalme e possas então virar costas.

4. Cuidarás dos filhos dos outros como se fossem os teus.

Por outro lado, se és tu a mãe do aniversariante e se vais ter animadores e mil atividades, assegura-te de que todos os meninos estão tão bem cuidados como o teu. Se for fevereiro, mesmo que esteja sol, não deixes que nenhuma criança vá para a caça ao tesouro lá fora sem casacos. Às 4h da manhã os pais dela vão acordar com ela cheia de febre e vão maldizer a hora em que confiaram em ti.

5. A culpa mora contigo. Esquece-a e não te martirizes.

Quando, às 4h da manhã, o teu filho estiver a arder em febre e te lembrares dos seus pés frios e húmidos quando lhe calçavas os sapatos no fim da festa (porque têm que se descalçar para ir ao trampolim e não faz sentido andar a calçar e a descalçar o tempo todo e só aí é que fica óbvio que eles levaram à tarde toda descalços); quando te lembrares do chão de mosaico sem um tapete que acomodasse mais confortavelmente os pézinhos tamanho 27;  da conversa do pai do aniversariante no fim da festa sobre como foi tão bom porque ainda puderam ir lá para fora um bocadinho, mas também só um bocadinho mesmo, porque começaram logo a tossir e a sorver ranho (“a sério que aquele imbecil o disse em voz alta?”); quando te lembrares do momento em que pediste expressamente ao monitor, o tal de uns 18 anos, que atentasse a que o teu filho trazia, não um, mas dois casacos, deixando implícito que era para serem usados se necessário; quando todos estes momentos estiverem a atropelar-se na tua cabeça às 4h da manhã e sentires as orelhas de burro a crescer por não teres dado ouvidos ao teu instinto (ver ponto 3.), vai simplesmente buscar o ben-u-ron, despe-o e volta a adormecer e afasta de ti os pensamentos sobre ligar àquela hora aos pais do aniversariante a perguntar “mas porque raio não foram de casacos vestidos?” ou a hipótese de te atirares ao pescoço deles na segunda-feira à porta da escola. A culpa é tua, em última análise, que não quiseste parecer uma mãezilla e confiaste, ignorando todos os indícios que te faziam palpitar o instinto. Da próxima vez terás aprendido com os erros.

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