Outro dia quis cancelar uma app e não consegui. “Estudasses”, né? Pois é, mas não é por aí. A questão é que o botão de cancelamento está tão escondido atrás de menus e submenus, cada um deles a pedir para validar as credenciais com ID e password, que, ouve lá, não era mesmo possível ao comum utilizador (não estou a falar de hi-tech geeks) chegar lá. É de propósito, claro. A app que se promete gratuita, afinal é um free trial de duas semanas, após o qual começas automática e discretamente (sem avisos ou notificações) a pagar para ter.
Ora isto vem a propósito do do costume, pois claro: a segurança nas redes ou a falta dela e a maneira leviana com que as utilizamos.
Acho que a nossa geração – pessoas quase de meia idade que já teriam computador em adolescentes e que, no final da década de 90, quando apareceu a Internet, já eram jovens adultos – ainda não sabe usar a Internet. As redes sociais. Ao contrário dos bons modos, das boas maneiras à mesa e das regras de convivência em sociedade, ninguém nos ensinou a “boa educação cybernética”. Os nossos pais não tinham Internet, por isso não tinham como nos passar esse conhecimento. E ao fim de 20 ou 30 anos ainda não foi criada uma Lei, um código de boas práticas para a Internet, com regras de “saber estar” ou com regras de compra e venda como existem na vida real. Não há regulação, não há monitorização, não há fiscalização. Polícias cybernéticos com autoridade reconhecida para aplicar castigos, efetivas medidas coercivas. Rapidamente depois do Homem ter chegado à Lua se assinou o “Tratado sobre os Princípios que Regem as Atividades dos Estados na Exploração e Utilização do Espaço Sideral, Incluindo a Lua e Outros Corpos Celestes”, basicamente uma Lei de Bases para quem quer explorar o Espaço Sideral. Na época dos Descobrimentos, a mesma coisa: havia regras de colonização para quem chegasse primeiro a território até então desconhecido. Quer dizer, assim que se descobre um filão, é importante criar códigos de conduta para que isto não seja uma selvajaria.
Podia estar aqui quarenta parágrafos a escrever sobre cybercriminalidade ou como as pessoas se transfiguram e mostram o pior de si em caixas de comentários de sites, blogs, páginas de facebook, instagram e twitter. Mas nem sequer é preciso ir tão longe. Não é preciso ir aos mal intencionados (pedófilos e raptores e pessoas de má índole em geral), nem sequer é preciso ir aos só mal educados. O mais comum dos teus amigos – desafio-te a olhares para os lados! – que te parece pessoa de bem, “com estudos”, informada e atenta, não se ensaia nada em publicar as fotos dos filhos. Quantas vezes com a farda da escola que frequenta a denunciar rotinas e localizações? Quantas vezes só desdentado ou em situação que um dia mais tarde o vai envergonhar? Lembro-me sempre daquela blogger que publicou a filha na retrete para publicitar o papel higinénico ou coisa que o valha… Então e a questão de dar um telemóvel aos filhos aos 10 anos/no 5º ano? Conversando com os teus amigos não haverá um, um só, que te diga que acha ótima ideia, toda a gente é contra, não é verdade? Mas experimenta oferecer-lhes um nokkia 3010 ou lá qual era o tijolo da moda quando ainda navegávamos só no 2G e vê lá se lhe interessa? Nada, certo? Faz chamadas e até manda sms, mas o que os miúdos querem hoje em dia é jogos, youtube e whatsapp! Ou seja, o que eles querem é um smartphone e não um telemóvel. O mesmo é dizer que o que eles querem é acesso ao mundo digital/virtual/cyber não regulado e cheio de perigos onde um adulto não consegue consciente e voluntariamente apagar uma app sem suar da patilha.
E depois o que fazem (com o teu consentimento, que lhes deste o smartphone ou que lhes permitiste entrar num grupo de amigas da escola no whatsapp no teu telefone, imaginando ingenuamente que assim terias tudo controlado)? Fotografam-se e a outros, fazem paródias com o snapchat e partilham com quem conhecem. Pedem segredo, mas já se sabe como são os segredos, não é verdade? Espalham-se! E, como “é segredo”, até apagam a conversa no teu telefone para que tu não a vejas e não te chateies. E um dia, sem saberes como, tens os teus filhos com vergonha de ir à escola porque andou a circular uma foto qualquer sobre eles. Ou só um rumor. Mas como é digital, ao contrário de antes quando só tinhas que temer os bullies na escola, está em todo o lado a toda a hora. Eles não têm descanso ao fim de semana ou ao fim do dia quando vêm embora da escola. Isto é assustador e ganha proporções inimagináveis a cada dia.
Sou eu que sou medricas ou retrógrada? Seja. Se preferia que as redes sociais fossem banidas, “fechadas” cá no Portugalinho e que vivessemos numa bolha imunes ao progresso qual Albânia na Europa? Não preferia. Mas tenho medo. Tenho muito medo.
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