Tenho 41 anos. É fazer as contas: nunca vivi numa ditadura. A nossa tinha acabado uns anos antes. Mas já “vivi” o Uruguai. E, da minha vivência no Uruguai, o que sei é que se trata de um país maravilhoso, um cantinho verde de pessoas de bem. Que nutrem um carinho excecional por Portugal e pelos Portugueses e têm um orgulho imenso na sua Colónia de Sacramento (antiga colónia portuguesa) e no seu estatuto de Património da Humanidade. Que aprendem Português na escola. Também pela influência da vizinhança com o Brasil, é fácil ouvir falar o Português no gerúndio em Montevideu e isso é tão apaixonante como ouvi-los no seu Espanhol que troca o “tu” por “vos” e que “chachea” (não sei se é assim que se escreve, mas é aquela coisa de dizerem os “y” e os “ll” como se fossem “ch”, dizem por exemplo “pocho” em vez de “pollo”, dizem “uruguachos” em vez de “uruguayos”, é adorável!). Que é considerado o país menos corrupto da América Latina (e talvez por isso tenha sido escolhido para sede de várias organizações internacionais e lhe chamem a “Suíça latino-americana”). Tem quase o dobro do tamanho de Portugal e, no entanto, cerca de um terço da nossa população. Há espaço! As ruas são avenidas e a marginal de Montevideu nunca mais acaba! E vêem-se joggers como no calçadão ou dog-walkers como nos filmes americanos. É daqueles países onde toda a gente parece ser feliz!
É difícil para mim imaginal o Uruguai pioneiro de democracia e de direitos civis em ambiente de ditadura militar. (Como o é, aliás, imaginar o Portugal das gerações anteriores à minha ou imaginar seja qual for a forma de violação de direitos humanos.)
Na Netflix, selecionei o filme “A noite de 12 Anos” num serão em que estava cheia de sono e achava que adormeceria em duas legendas. Não pude. O filme é cru, é violento e obriga à compaixão. A história é a de 3 dos guerrilheiros detidos pela polícia militar da ditadura militar de 1973/85 que, não os podendo matar, se empenhou em levá-los à loucura e por isso os vendou, separou, proibiu de falar, inibiu de visitas, deixou à fome e à mercê de ratazanas e dos seus próprios dejetos, encarcerados em solitárias. Um deles é Pepe Mujica, que viria a ser Presidente do Uruguai entre 2010 e 2015, o mais acarinhado dos Presidentes por todas as faixas etárias da população (super popular entre os jovens por decisões como doar metade do seu salário em prol do seu país ou legalizar o canabis).
Difícil também é imaginar o velhinho barrigudinho de cabelos brancos que ainda vive e se desfaz em simpáticas entrevistas por esse YouTube fora (procura!) a passar pelo que se vê no filme. E, pelo outro lado, imaginar o que se passará nas cabeças dos militares que, mais ou menos coagidos/apaixonados por um ideal, fizeram tamanhas atrocidades. O que leva um ser humano a maltratar tanto outro ser humano? Coisas que dão que pensar, momentos que a História não só não deve apagar como deve documentar. (Penso igual quanto ao Holocausto, por exemplo) “A Noite de 12 Anos” é um excelente documento e os prémios e nomeações que ganhou foram mais que merecidos.