Então e aquela mãe?

Li ontem , no avião (depois conto!), a Sábado desta semana. Eu, que quase não vejo televisão ultimamente, surpreendi-me ao encontrar uma entrevista à Teresa Paula Marques, de quem me lembrava como a psicóloga da revista “Teenager”, que respondia às cartas de miúdas adolescentes (público-alvo da revista, como o nome indica) e que teria aí mais uns 10 anos que eu. Ou seja, esta senhora, lembro-me eu, ninguém me contou (que eu colecionava todos os números da revista), já na época era dada a estas coisas de aplicar o que estudou na faculdade aos media. Já a “vi” mais vezes desde então por esses meios de comunicação social fora mas, curiosamente, no seu CV não menciona a colaboração com a Teenager… Também não menciona o seu recente tiro no pé ao fazer o papelão de SuperNanny, no reality show que estreou ontem em horário nobre na SIC.

Eu não vi o programa. Ao ler ontem a entrevista, acotovelei o M. ao meu lado “olha, esta respondia aos dramas das teenagers, como nas clássicas crónicas da Maria, e agora parece que vai fazer uma coisa como aquela que dá no TLC, da nanny”. Ele não me ligou nenhuma, mas eu que tinha ideia de já ter visto alguma coisa do formato original e me lembro de ler a crónica dela na revista da minha adolescência, pensei “a ver se chegamos a casa a tempo de ver isto.” Não vi. E pelo que já li hoje, ainda bem que não vi e só espero que a SIC não tenha o link para o programa gravado disponível (mas temo que sim). É que aparentemente, não só a profissional se apresenta com uma postura e instrumentos pouco positivos, como o formato do programa é toda uma humilhação da criança. Não vi o programa, mas li a entrevista dela ontem até ao fim e, realmente, ela diz que “quando acabaram as gravações e eu me despeço, ela baixou os olhos e começou a chorar”. E só isto, mesmo antes do programa ir para o ar, me incomodou. Seja lá o que for que ela quis dizer com isto (imagino que fosse para enaltecer o quão agradecida a menina tinha ficado pela entrada dela na sua vida), o que é certo é que eu, particularmente depois de ser mãe, não consigo ver ou ouvir uma criança chorar. Sinto ímpetos de correr para elas e de as salvar (que não posso, claro, os pais delas sabem melhor que eu). Uma criança que chora só quer colo, conforto. Não quer lições de moral nem oportunidades de aprendizagem. Isso é depois, num momento mais tarde, em que já se acalmou e já estará disponível para ouvir. Quando chora está triste, frustrada, desiludida, zangada, qualquer coisa. Mas sempre má.

Enfim, não vou alongar-me sobre a falta de rigor e de ética profissional da Teresa Paula, nem sobre a óbvia violação dos direitos das crianças que são escrutinadas neste programa (a “nanny” entrou na wc para assistir ao banho da menina?! WHAT??!), já há muita gente por essas caixas de comentários fora a fazê-lo. Também não vou falar sobre a humilhação a que a mãe da menina a submeteu quando permitiu (mais que permitiu, ela ativamente o pediu porque se inscreveu, parece!) que a(s) filmassem nos seus piores momentos.

O que mais me revolta, aquilo que me faz sentir um embrulho no estômago é, como também já li por aí, o dia seguinte daquela menina na escola. Ela tem 7 anos. Aos 7 anos, mesmo que os colegas já todos estivessem a dormir (como deviam), há sempre alguém que viu e que reproduz e há sempre pouco filtro nestas idades e eu imagino, com muita tristeza, que aquela menina não esteja a ter um dia fácil hoje. Nem amanhã, nem depois e que provavelmente venha a ser um alvo fácil. Tenho muita pena dela. Muita.

Mas também tenho muita pena da mãe, e isto é que eu ainda não li ninguém comentar. Não falta gente a criticar a mãe da menina por tê-la exposto desta maneira, por a ter feito passar humilhações destas – não só no momento em que valida que uma estranha venha para dentro de casa dar bitaites, como depois, quando permite que tudo o que se passou seja exibido a nível nacional em horário nobre. É verdade que sim, não há qualificação para o que esta mãe fez. Mas eu tento colocar-me no papel dela e consigo imaginá-la sozinha (a família é monoparental, ela não tem quem a substitua quando se sente a perder o controlo), num desespero tão grande, já pra lá dos gritos e choros convulsos (quem nunca?), que naquele dia em que soube do programa ele lhe possa ter parecido a tábua de salvação que almejava. Já li comentários dizendo que não, que foi puro int€r€ss€, que a senhora recebeu dinheiro (e nem tanto assim) para ser cobaia neste novo reality show. Não sei. Imagino que possa ter havido ali alguma motivação monetária, ok, mas não posso acreditar que aquilo que fez cegar esta mãe, que não a deixou ver para lá dos cinco minutos de fama (da boa, imaginaria ela), que não a deixou projetar-se e à filha para o dia seguinte, para o futuro, até, daqui a muitos anos quando a Internet devolver tudo a um clique mais sórdido de alguém cuja memória não falha (como eu, que me lembro da Teresa Paula a responder às leitoras que não se engravida por dar beijinhos na boca), não posso imaginar que esta mãe tenha pensado devidamente nas consequências disto e mesmo assim tenha avançado para as filmagens, para a exibição do programa sem sequer pedir efeitos especiais que protegessem a identidade da filha. Esta pessoa trabalha nalgum lado. Esta pessoa terá a sua página de facebook. Como é que ela se estará hoje a sentir, ao abrir qualquer sítio e em lado nenhum lhe aparecer um elogio, um conforto, antes “que mãe tão irresponsável”, “que mãe é que expõe assim a filha?”, “esta mãe precisa de ajuda e não é de uma palhaçada como aquela na tv”. Estarão as colegas dela a consolar-lhe lágrimas de arrependimento na wc lá do trabalho? Estará ela a sentir-se, hoje sim!, a pior mãe do mundo? E ainda vamos a meio da tarde, provavelmente ainda a filha não chegou a casa também ela chorando com a repercussão necessariamente negativa disto que a mãe lhe fez. Imagino que quando se encontrarem em casa ao fim do dia chorarão juntas, a filha outra vez por se sentir humilhada e desrespeitada (desta vez por toda a gente fora de casa), mas a mãe talvez por causa de um sentimento novo: já não o do desespero por não conseguir domar a filha, talvez o do arrependimento. E com esse vai ter que viver o resto da vida. Não imagino pena pior.

teresa paula marques

PS: Transportado o caso para a blogosfera, já vi posts muito insurgidos contra o tema assinados por bloggers que não fazem da vida outra coisa se não publicar a vida e as caras dos filhos. A essas, o meu sorriso mais irónico.

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2 thoughts on “Então e aquela mãe?

  1. Pois eu não me aguentei e fui hoje espreitar o link directo para a programa de ontem… fui arrastando o cursor e saltei partes do vídeo quando tudo aquilo me começou a fazer muita confusão… No fim, na minha cabeça só pensava, ” coitadinha daquela criança. E hoje como estará na escola?? Que humilhação tão grande… como é possível?!” Quem vai agora proteger aquela menina?
    Vergonha alheia de muita gente. E a senhora psicóloga… por favooor!!

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    1. Sim, Bi, mas e a mãe? Como é que a mãe se estará a sentir também? Não terá ela simplesmente querido fazer melhor, simplesmente ser melhor mãe, não etrá ela sido vítima de vaidade ao preferir aparecer na TV em vez de procurar a mesma ajuda mas de modo confidencial? Não terá ela feito o que achou, verdadeiramente, que seria o bem da filha? Como se sentirá ela hoje, depois de ler toda a polémica em que é tão acusada, se o genuíno intuito dela era salvar a educação da filha e a relação das duas? Ao perceber que a escolha dela foi completamente ao lado? Eu estou aqui a por-me no lugar dela, só isso. Porque no lugar da menina, sim, nem consigo :(

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