Um dia destes, ao deitar, para os acalmar prometi uma história. Não costumo contar histórias ao deitar porque me demora sempre mais tempo, sou team rezar e cantar, mas de vez em quando lá calha. “A Rapunzel!”, dizia ela. “Não, o Pedro e o Lobo!”, dizia ele. Disse-lhes para conversarem enquanto eu ia lá dentro fazer qualquer coisa e que encontrassem uma solução que agradasse aos dois, que combinassem que contava uma naquele dia e no dia seguinte outra, por exemplo, qualquer coisa com que os dois ficassem satisfeitos. Ao afastar-me ainda ouvi, orgulhosa, o Manel num tom calmo e disponível. Não ouvi a proposta que lhe apresentou, mas fiquei contente com a capacidade de diálogo que substituiu logo a adrenalina com que estavam antes.
Ainda eu não tinha voltado e já tinha o Manel todo entusiasmado nas minhas pernas “mamã, já combinámos! Hoje é o Pedro e o Lobo e amanhã a Rapunzel.” Hum… o_O De volta ao quarto, “Júlia, combinaram assim? Pode ser a Rapunzel amanhã?” e fico a saber pela carinha dela enfiada no peito que afinal não tinham combinado nada, aquilo era só ele a exercer a sua posição dominante! Expliquei que assim não era nenhum compromisso porque um dos dois não estava satisfeito. E apresentei a minha ideia sem pensar bem no que me ia meter: “e se misturássemos as duas histórias hoje? vamos tentar?”
(mas que ideia a minha, sempre à procura do contentamento geral… agora como raio é que a Rapunzel, lá enfiada na torre, ia sequer chegar à fala com o Pedro, que ainda por cima era um mentiroso?! No mesmo momento em que me saiu a ideia da boca pra fora entrou em mim o arrependimento. Se não tinha sido tão mais fácil puxar eu da minha posição dominante e da Carolina Deslandes e trautear a Vida Toda e já estava?! ggrrrr… Bom, agora já não dava, ‘bora lá.)
“Era uma veeeez…
Uma menina muito linda, com uns longos cabelos loiros, tão longos, tão longos, tão longos, que davam para fazer uma trança muiiiito compriiiiiiiiida que ela atirava todos os dias da janela da torre onde vivia [ignorei a parte da tragédia do estar presa e enfeitiçada] para que o seu amigo Pedro a pudesse visitar. O Pedro era um menino um bocadinho mentiroso e todos os dias quando lá chegava contava à Rapunzel, com um ar muito afogueado, que tinha lutado com 7, sete, lobos até lá chegar. [E aqui o Manel interrompia porque queria por os lobos cá em baixo no sopé da torre. “Pshht, sossego, se não perco-me no raciocínio instantâneo e já não consigo juntar esta treta toda paro de contar!”] O Pedro queria fazer-se valente e a Rapunzel ficava muito impressionada porque ele lhe contava muitas mentiras acerca das suas lutas com os lobos. Até que um diiiiia… o Pedro encontrou mesmo um lobo no caminho para a torre da Rapunzel e, afinal, de valente não tinha nada! Desatou a correr cheio de medo e a gritar “Rapunzel, Rapunzeeeeel, atira a trança, atira a traaança!” [que é a parte de que ela mais gosta]. A Rapunzel ficou muito baralhada ao ver o Pedro em apuros, logo ele, que dizia que era capaz de derrubar sete lobos de uma vez!, mas atirou a trança e salvou o seu amigo. Mas disse-lhe “Pedro, estou muito desiludida contigo. Então tu dizes-me que todos os dias lutas com sete lobos de uma vez e afinal tu tens é medo? O Problema não é teres medo dos lobos [clarificação pedagógica]; o problema é tu mentires sobre isso. Quando mentimos, os outros não conhecem a verdade e por isso não nos podem ajudar se tivermos algum problema! Foi uma sorte eu ter ouvido cá de cima porque eu até cheguei a duvidar que os gritos que ouvia fossem teus! Eu acreditava quando me dizias que eras valente e por isso não achava possível que estivesses a fugir de um lobo! [E agora atenção a este requinte de pedagogia:] Além disso, os lobos não são maus, eles só têm fome. [😃] Vamos atirar-lhe este naco de carne que eu estava a preparar para o jantar e vais ver como deixa de rosnar ali em baixo e se vai embora para tu poderes voltar pela floresta.” E assim foi, atiraram da janela a carne e o lobo desapareceu com ela nos dentes, todo contente, floresta adentro. “Eu sei, Rapunzel, desculpa!”, disse o Pedro todo envergonhado por ter mentido. “Eu nunca mais volto a mentir, prometo. Já percebi que quando se esconde a verdade pode ser muito pior…” E, pronto, a Rapunzel desculpou o Pedro [porque lhes estou sempre a dizer que, tão importante como saber assumir os nossos erros e pedir desculpa, é saber desculpar], deram um grande abraço e o Pedro nunca mais mentiu. Vitória, vitória, acabou-se a nossa história. Dormir!”
Hã?! Que tal? Não fui brilhante? Não só acabei com a zaragata por causa da história ao deitar de maneira a contentar os dois, como ainda salvei o Pedro de morrer na boca do lobo como na história original e como ainda pus a Rapunzel feliz da vida apesar de viver em cativeiro, hã? Fantástico ou quê?
5 estrelas!!!! Já os estou a imaginar, atracados a ti, com os olhos colados aos teus lábios a imaginarem em lume brando a estória que lhes prometia água na boca:)
na senda do cunho pedagógico que deste, podias ainda dar a ideia do lobo melhor amigo do Pedro e da Rapunzel. Assim, o Pedro teria sempre companhia para atravessar a floresta, que o ajudaria nas aventuras nesse reino mágico, e a Rapunzel (e o Pascal) passariam a ter um novo parceiro de brincadeiras!
Olha vê em http://www.alfarrabista.eu/livros.php?artg=1049342.
Tens ainda a sugestão do lobo ibérico, isto para ligar com o trabalho dos felinos:):) espreita em http://lobo.fc.ul.pt/.
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