A vida corre. Foge-nos por entre os dedos todas as manhãs. É preciso muito cuidado: a mãe carinhosa e sorridente, de repente, pode dar lugar a uma ursa que grita desfigurada sem que nos demos conta. Acontece-me muito, aliás, estar a apressar-lhes os movimentos nas rotinas da manhã, porque o tempo é pouco para os deixar observar coisas, vir até à casa de banho a coaxar e aos saltos de cócoras, experimentar sei lá mais o quê que lhes interessa, ao seu ritmo, e de repente olhar para o espelho num relance enquanto lhes lavo os dentes e lá está a ursa em vez da mamã. É uma merda.
Ontem, até a coisa não estava a correr mal (que eu todos os dias, antes de me levantar, prometo a mim própria “hoje vai ser só sorrisos e música e abraços, ‘bora lá!”), não tinha havido nada mais além de uns tranquilos “vá lááá…”, “então? Já está?” Eu a trocar o bebé e eles já despachados por ali à espera para comer. Enquanto manuseava o Frederico ia conversando com ele naquele gugu-dada que toda a gente faz com bebés, “uuuh suquitooo… cucu! A mamã não tá cá/tá, tááá… ui, xu coija fôfa, coija boa da vida” ronhonhó, ronhonhó, brrrr, toda sorrisos e cócegas. Diz-me o Manel com os olhos ali à altura do trocador: “oh mãe, porque é que tu nunca brincas assim connosco como brincas com o Frederico?”
Póóóóiing… alertas vermelhos a disparar na minha cabeça, punhais a virem direitinhos ao meu coração.
Consegui manter-me viva e disse-lhe com toda a naturalidade três coisas:
Uma, que quando eles tinham a idade do Frederico era exatamente assim que eu falava com eles, sim senhor. Até me lembrei de uma daquelas coisas que a mente apaga rapidamente, o petit nom com que o tratava e como acabou por ficar conhecido na antiga escola – Suca! “A mãe chamava-te Suca porque começou por chamar Xuxu, depois Xuxuca e, amimalhado, em vez do som shh, virou sss, Suca! E as crescidas da escola também te chamavam ‘oh Suuuuca!’ A brincar! E depois, quando a Júlia nasceu (ela de olhos arregalados), a mamã dizia que ela ela a Ôtassuca! De ‘outra Suca’! É verdade!” (Mas fiquei a pensar nisso, em como é possível que já não me lembrasse disto?! Quantas mais coisas vou esquecer?!…)
Segunda, fi-lo recordar-se de que brinco muito com eles sim senhor e dei exemplos, oh-lá se não dei!, caraças, enquanto eu viver não faltará quem me defenda! Só não faço voz de desenho animado porque eles já não são bebés como o mano, são os crescidos! (toda uma ênfase), e a mãe reconhece essas capacidades novas que já têm e trata-os como tal.
Mas (terceira), se eles quisessem também podia falar à bebé com eles. “Querem?” E comecei “vamos, bebés, vamos lá, por o xinto, ah-ah-ah, não é axim, uihhh coijas boas da mãe, Suquitas bons da vida! Palminhas (e agarrava-lhes nas mãos), vamos palminhas bebé, iêêêii, viva, bbbrrrrrr (cócegas)…” de repente parei. “Não funciona, pois não?”
Ele estava com um sorriso meio “isto é divertido”, meio “a mãe tá louca”; ela estava a roçar o assustado com cara de “não, definitivamente, a mãe tá louca”.
Fui até à escola a sublinhar que cada um deles tem as suas características particulares, que somos todos diferentes e que é essa diferença que nos faz valer, somos únicos e que ser crescido é bom, que a mãe gosta de cada um e não quer o Manel bebé nem a Júlia bebé, quer o Manel de 4 anos que já se sabe vestir e despir sozinho, e a Júlia de 2 que já sabe fazer o desenho da nossa família, etc, etc, etc. Deixei-os.
Ao voltar para casa, olhava para o Frederico e pensava “realmente… quando é que uma pessoa deixa de lhes falar com mimo para passar a gritar?” É quando começam a fazer os disparates, aí pelos dois anos, bem sei, tenho lá uma em casa que está no ponto!! Mas, quer dizer… quando é que deixamos de os ver como bebés e passamos a cobrar-lhes as competências adquiridas? E pra quê? Quando é que eles deixam de cheirar a Uriage e Mustela e passam a dar puns e a ter chulé nos pés? Quando é que eles deixam de andar a saltitar pela casa para fazerem perguntas destas?
Onde está o botão de suspender o crescimento?
Ai que caraças… :S
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Imaginas-me? Toda eu um pranto personificado pelo menos até à hora do reencontro 😂
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sem palavras! Xuxucas, cookies, xiribitis, piriris – tudo isso elevado a infinito e é pouco. o tempo é tramado e o problema é que tb crescemos com eles e, no fim, damo-nos sempre conta que nos falta tempo.
não pensemos nisso agora…
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O tempo, sempre esse sacana…
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aiiii que caraças!
é que é isto! tão isto…
quando é que deixei de o chamar de “comcom” e comecei a fazer aparecer a ursa?!?!?
aiii que caraças!
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Comcom? Que petit nom tão querido e original! 😊
Força aí, Raquel! E quando aparecer a ursa, faz força e começa a cantar a daquele livro “vamos caçar um urso/vamos caçar um dos grandes/não temos medo/que belo dia!/ah! Um lago!/não podemos passar por cima/não podemos passar por baixo/temos de o atravessar!/chap-chapinha-chap-chapinha…
😉
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O botão está no nosso coração! :*
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Mas temos que fazer muita força para não esquecer os primeiros anos – como é possível que já não me lembrasse do Sussuca?! – e eles não deixam que a tarefa seja fácil quando fazem coisas novas, de crescidos, todos os dias!…
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Sussucaaaaaa… Também não me lembrava disso! Obrigada pela lembrança… De facto, parece que foi já imenso tempo (a par com o “Sandi”)!
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Sâni, é assim que se diz! 😉
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