E ao sétimo dia Ele descansou.

Não vejo outra explicação. Como diz a Bíblia (Génesis 2:1), ao sétimo dia Deus nosso Senhor descansou, baixou os braços e ficou a ver-me ir chocar de frente contra uma parede de betão. Só pode. Ao sétimo dia em casa com os três filhos, os seis todos juntos, o M. saiu com o J. e eu fiquei a braços com os três pequeninos na hora de se deitarem. Recordo: 4 anos, 2 anos e 10 dias. Primeira vez em que tenho que determinar quem é atendido primeiro, primeira vez que me invade a culpa de ter que preferir um dos filhos.

E é mesmo de preferir que se trata, foi hor-rí-vel! Tentei combinar, negociar, explicar, falar mais baixo do que ela chorava e nada. Nada a acalmava, ofendida que estava de ter sido largada na sua cama de grades sem o colo do costume, atirando-se de bruços para a almofada e sufocando o choro sentido nos bracinhos postos para amparar a testa, gritando “téio tólo mamãããã…” com lágrimas gordas a caírem-lhe cara abaixo a quatro e quatro.

Caíam a mim também, mas por algum fenómeno daqueles que não se explicam, nos momentos em que precisamos mesmo, vamos encontrar forças e lucidez onde não imaginávamos que tínhamos. E eu controlando-me e às minhas lágrimas, a dar de mamar ao Frederico que, uns minutos antes dormia como se fosse acordar só amanhã mas, de súbito, já não, e precisava de mama sem poder esperar que o pai voltasse, ao menos. Pensava que ela precisava que eu pudesse levantar-me para a abraçar – um abraço faz milagres! – e não dava, não dava mesmo. Nem a mão lhe conseguia dar porque logo calhou do Frederico estar virado para o lado cujo meu braço a poderia alcançar e assim não, tinha que servir para o apoiar a ele. Olhava para o Manel, já adormecido embalado pelo choro do Frederico e pelo pranto da Júlia, e pensava “pobre filho mais velho, que não és tão velho assim que consigas compreender tudo isto e nem sei até que ponto não te terás simplesmente entregue na batalha, desistido, sentindo-te derrotado e sem argumentos porque se te pede compreensão por seres o mais crescido e nunca percebes qual é afinal a parte boa de se ser crescido. Ter-se-á cansado de esperar a sua vez? Será que já não confia quando lhe digo ‘a mamã já vai ter contigo’ porque nunca está acordado para ver? Qual é o preço a pagar por ter escolhido ter três filhos assim seguidos? A falta de confiança do mais velho, que se sente entregue a si próprio? O desconsolo da ex-mais nova, que agora vai incorporar o famoso síndrome do filho do meio?”

E assim foi, perdida neste tipo de pensamentos, que hoje tive que preferir um filho aos outros. Pela primeira de muitas vezes daqui em diante, temo. Ainda acredito que ao longo da vida ganharão mais, infinitamente mais, em ter-se uns aos outros tão próximos de idades e, consequentemente, de interesses. Para espantar a culpa, vou rever as fotografias destes últimos 10 dias e não me faltam provas de que já se amam. Recordo a minha estratégia para adormecer o Manel ao mesmo tempo em que a Júlia recém nascida precisava de mamar (punha-o na minha cama deitado ao meu lado e depois era só levá-lo para a dele). Não consigo evitar pensar “ok, mas nessa altura ele era só um, tinha 21 meses e pesava bem menos que hoje em dia; além disso, os dois juntos, perdem-se na galhofa, como é que os vou acalmar, manter um de cada lado e ainda conseguir que adormeçam os três?”, mas rapidamente resolvo com um “que se lixe, experimento e logo se vê”. E já de lágrimas secas, já quase sem ver o rasto da culpa, tenho o derradeiro trunfo comigo: lembro-me do poema das pegadas na areia e acredito que Ele não descansou coisa nenhuma, Ele levou-me foi ao colo por entre as minhas forças escondidas e ajudou-me a ver sozinha uma estratégia para as próximas vezes.

Ter três filhos seguidos é maravilhoso.

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2 thoughts on “E ao sétimo dia Ele descansou.

  1. wordless… é isso, sem mais nem menos. por, no final de contas, percebes que és uma brilhante maestrina. imagino-te hoje tal como te vi no fds: para lá das dores e desconfortos físicos, imperou a Mãe ciosa, calma e meiga; afinal os adjectivos perfeitos e aliados de uma autoridade maternal reconhecida. e lembra-te que quando choram é porque te amam ainda mais:)
    OBRIGADA!

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