Eu também já fui Comando.

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A-ha!! Por esta é que não esperavas, poi’não? Aqui a pirosa, nascida para mãe galinha, atrás de uma metralhadora, hein? É pra que vejas como daqui da toca saem sempre vários tipos de coelhos, é só surpresas! :)
Vem isto a propósito das notícias sobre a morte de um militar em formação no Curso de Comandos e do internamento de mais uma dezena deles, aparentemente, por causa do elevado nível de esforço físico a que são sujeitos.

Estava eu a fazer mestrado na área, e o meu tutor, um guru da segurança e defesa, levou-nos a uma visita de estudo ao Regimento dos Comandos, na serra da Carregueira, para um programa estilo “Um Dia Com”. O objetivo era o de experimentarmos, na prática, aquilo tudo de que falávamos sentadinhos nas cadeiras da sala da universidade. Estávamos em 2002 e o Curso de Comandos, que tinha estado suspenso desde há uns anos, tinha retomado e estava a formar os militares da 100ª turma. Lembro-me que era a centésima porque eles estavam orgulhosos do número redondo, tinham chamado “Centésimo” ao cão mascote da turma e estavam ansiosos por receber a tão almejada bóina vermelha. (“Muito mais gira se fosse cor-de-rosinha!”, comentei eu em surdina com a A.R., escangalhando-nos a rir as duas a imaginar aqueles homenzarrões, todos orgulhosos das suas capacidades físicas másculas, com garrucinhos cor de rosa! :D)

De facto, pouco sentido faria um tom assim suave nas cabeças de homens treinados para situações extremas onde o que está em causa é a sua própria sobrevivência e a defesa de uma pátria. E, sim, só homens, porque as mulheres, apesar de poderem concorrer, raramente passam nos testes físicos e, quando passam nesses, depois não conseguem concluir o curso porque, feminismo à parte, a verdade é que a natureza física das mulheres é diferente da dos homens. E a natureza emocional também. Um exemplo: é sabido que, em ambiente de conflito, na eventualidade de um militar ser ferido, uma mulher vacila e tende a ficar para trás para o socorrer, podendo por em risco a sua vida também; um homem não, continua a missão.

Naquele dia na Carregueira devo ter aprendido muito mais do que nos dois anos sentada nas aulas de mestrado. Ouvimos primeiro uma palestra sobre o Exército, a participação dos nossos militares em missões estrangeiras, sobre o que é ser-se Comando (a elite das tropas), sobre o que se pretende com um curso de Comando e explicaram-nos algumas provas a que estes militares são sujeitos. Tudo me impressionou.

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Experimentámos escalada, o rapel australiano, fizemos treino de tiros, vestimos fatos anti-armas bioquímicas e pusemos às costas mochilas com cerca de 30Kg (mínimo) de mantimentos e utensílios fundamentais que estes militares carregam sempre quando em missão. O que a fotografia lá de cima, a da metralhadora, não mostra é que eu devia ter sido capaz de me deitar no chão com ela às costas, de um salto, e a seguir levantar-me do chão e correr, o que… não deu, pois claro. Eu mal me sustinha de pé com ela, quanto mais saltar sem cair! Menos ainda atirar-me pró chão e apontar nitidamente ao alvo sem me virar ao contrário qual tartaruga com carapaça invertida! Não experimentámos, mas ouvimos relatos de provas à resistência física, mental e psíquica destes militares. Contaram-nos, por exemplo, sobre como são largados no meio da serra dia e noite, a fazerem-se valer só da sua mochila de pelo menos 30Kg de mantimentos e utensílios, em que têm que aguçar o seu sentido de orientação ao máximo, ter a lucidez para gerir recursos – um deles, a luz solar – e a capacidade física para ultrapassar obstáculos naturais como massas de água, floresta ou planícies. Contaram-nos também que uma das provas mais difíceis destes cursos é a chamada “Dia Invertido”. Consiste em, como o nome indica, fazer passar os militares por um dia inteiro de treinos mas a desoras, ou seja, são acordados de surpresa a meio da noite, estão a tomar o pequeno almoço às três da manhã, seguem para treinos como se fosse de dia (era inverno, quando lá estive. Imagina o frio e a escuridão da noite…), almoçam quando deviam estar a tomar o pequeno almoço, continuam pela manhã como se fosse já a parte da tarde e o corpo a ter que responder de igual modo, jantam à hora do lanche e deitam-se ainda com luz do dia. No fundo, é um desafio ao sistema biológico e que acaba por ter impacto na psique também.

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Além disso, percebemos que o espírito de missão, de camaradagem e de crença em algo superior à individualidade está super enraizado em cada um deles. É o que os move, é o que os faz voluntariar para missões de guerra e paz no estrangeiro, ou só de cooperação. Não é, seguramente, o rendimento.

A partir daquele dia, associando o que lá vivi ao que já tinha estudado antes nos quatro anos da licenciatura também nesta área, cheia de cadeiras de História (de Portugal, da Europa, de África e Política Internacional), tenho um respeito enorme pelos militares das nossas Forças Armadas. E sei que os nossos Comandos, em particular, estão preparados para nos defender ou para defender povos aliados em situações de conflito. Percebo o bruaá sobre se há, hoje em dia, neste país de brandos costumes, necessidade de levar ao extremo os treinos de forças especiais. Percebo e admiro a rapidez com que foram instaurados inquéritos e suspensos os próximos cursos de Comandos. Mas eu acho que não é com a casa roubada que se devem por as trancas à porta e mais ainda sucedendo-se os episódios de terrorismo perpetrados das mais diversas formas, sobre os mais insuspeitos alvos. Lamentando a morte daquele militar e o estado reservado dos outros, confio que estes cursos estarão estruturados por gente que percebe da poda e que, apesar de provocarem o limiar da exaustão física e mental, “são feitos para seres humanos, não para super-homens“. Mas só para seres humanos que consigam estar muito próximo da supremacia, lá isso sim…

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