Ja estou muito incapaz há muito tempo. Incapaz de tudo, de um simples chamar para a mesa num tom mais alto que o da brincadeira deles porque se me contrai a barriga e parece que sinto a pele estalar e o filho a querer nascer. Incapaz de ajeitá-los na cadeira, ou de lhes calçar o sapato, ou de vigiar uma brincadeira de exterior porque tudo isso me implica debruçada ou com capacidade de reação rápida que não consigo ter, fruto da força abdominal que não posso fazer ou das dores em todo o lado que não me deixam encontrar posição por mais de uns minutos. Dormir, esquece. Dar-lhes banho, idem. Deixá-los na escola ainda vou mas buscá-los, que era o meu maior privilégio nestes tempos em casa, também já só vou se não tiver quem vá por mim porque, ao fim do dia, já não tenho a energia da manhã e já eles, cansados, estão menos colaborantes ainda.
E isto deixa-me triste. Só me apetece chorar por tudo e por nada. Por um lado, sinto-me uma imprestável e eles, na transparência da idade, também mo fazem sentir (a Júlia acorda de noite e chama o pai, por exemplo, habituada que já está a que a mãe não esteja nem ao adormecer nem numa aflição noturna…). Por outro, sei que estou a gerar vida, a vida do Frederico, que depende do meu repouso para que tudo se passe tranquilamente e no seu devido tempo e sei que nada é tão prioritário como isso agora. Mas custa…
De noite tenho insónias ora por causa do calor, ora por causa das dores por estar há mais de hora e meia/duas na mesma posição. Vejo o contorno do corpo dele na penumbra do quarto e não o consigo alcançar. Encosto-me o mais que posso mas a enorme barriga faz com que o meu braço todo esticado mal lhe chegue e, ao fim de um bocadinho com a mão nele mas o braço em vão, o retire dormente. Tão perto e tão longe… De dia, é ele quem faz tudo. Tudo, tudo, tudo. Desde apanhar bagos de arroz do chão a adormecê-los, passando pelas brincadeiras e pelos cuidados de higiene. Sinto que o sobrecarrego, a quem ainda por cima levou o dia a trabalhar. Procuro encontrar equilíbrio emocional no “é só esta fase” mas tenho dificuldade. Tenho saudades do meu namorado e sinto culpa por não o acompanhar!
O J. está da minha altura. Para lhe dar beijinhos tenho que me por de lado, fico ridícula e ele constrangido. Queria não ter que vetar programas de que sei que gostaria mas em que eu, neste momento, não consigo participar. E abuso dele ao pedir-lhe que me encha o jarro da água ou que apanhe a colher que a mana deixou cair ou que vigie ele as brincadeiras dos irmãos caso eu não alcance uma queda a tempo ou não consiga apartar uma bulha. Ele, sempre disponível; eu, sempre a pedir qualquer coisa.
E o peso da culpa por não os acompanhar como sempre… Não indo eu à escola não fazem por mim as perguntas certas e não me trazem as respostas que eu gostaria de saber. E depois surpreendo-me quando o Manel me diz assim “já consigo dizer helicóptero, olha: he-li-cóP[carregando no P]-te-ro. E guardanapo: guar-da-na-po! E etiqueta, e-ti-que-ta!” Como? Como já consegue dizer helicóptero? Quando é que isso aconteceu, que eu não estava a ver?! E mal sabe ele que eu preferia muito mais quando ainda ontem era o helicóquico, o guadamaco e a tiquitêca… Além da Júlia já ser, como todas, como sempre, a menina do papá, também não precisava nada que agora já não contasse comigo para a acudir de noite ou que me dissesse mesmo expressamente “nã teí a mamã, teí o papá!” ou que o Manel, ao planear uma brincadeira que implica correria, elencasse “vamos jogar eu, a Julia, o papá e o J.”! (O que vale é que ele acrescenta que a mamã não joga “porque não pode correr porque tem o Frderico na barriga”, se não morria com a exclusão!)
Enfim, é esta fase. Já tudo custa, já tudo é severamente condicionado pelas hormonas em rave, já nada se consegue relativizar e tudo parece agigantar-se para mim e engolir-me. Encontro consolo em momentos (mesmo momentos, tipo dois minutos) como uma ronda do jogo da memória em família ou numa conversa sobre as companhias do J. na saída ao serão ou na decisão sobre qual será, finalmente, a primeira roupa do bebé.
Tenho muitas saudades deles todos, fisicamente saudades. Mas sei (e quase que anseio – só não digo que estou mesmo ansiosa porque apesar de tudo queria cristalizar esta gravidez no tempo e não seria verdade dizer que já chega dela) que quando formos mesmo seis pessoas aqui pela casa tudo e todos vão encontrar o seu espaço outra vez e eu voltarei a ser “a mamã” desta família tal como ela me conhece.
Born to be mummy:)
Grande Pipis… que não cabes não só numa selfie mas também nas palavras que usas para descreveres estes tempos que não te são fáceis. Mas isso não te assusta. Não estás a perder nada; ganhas tudo isso, todos os momentos, ainda que alguns ausentes ou mais afastados. São teus:):):):):)
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Agora é mesmo altura de pensares no Frederico e de te resguardares. É, como disseste, uma fase e já está a chegar ao fim. Afasta os pensamentos em que te recriminas ou culpabilizas, tens um filho na barriga! Beijinhos e sossega (não deixes as hormonas levarem a melhor)
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Parece frase feita mas tudo passa. Gostei muito da forma como o descreves e sentes. Força aí. Beijinho.
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