Um pote de mel.

O Manel já não tem nada a ver com este miúdo de há um ano atrás que me deixava preocupada por poder vir a ser um bully. Uns meses antes ainda, lembro-me de, na inscrição na escola nova, nos pedirem para descrever o nosso filho, de termos olhado um para o outro e quase em uníssono termos respondido “é um carro de assalto”. Hoje em dia continua o mesmo vivaço cheio de energia, mas claramente aquilo da violência desmedida era da fase etária, era próprio dos terrible two de que tanto se fala e ele, hoje, tem tanto de carro de assalto como de pote de mel.

Hoje encheu-me de orgulho precisamente pelo lado doce e meigo que, no que é fundamental, demonstra.

Hoje a Júlia foi tomar outra dose da vacina Bexsero. Diz que dói que se farta e que, além da febre, que é quase certa, os miúdos ficam até duas semanas com o braço dorido, coitadinha da minha filha… Dava-me mais jeito levar os dois do que ir deixá-lo primeiro à escola e, portanto, expliquei-lhe de antemão o que ia acontecer: “a mana vai levar uma pica e a mamã precisa muito da tua ajuda para lhe dares miminhos, que ela deve chorar porque lhe vai doer muito e tu és o mano mais velho e muito responsável, está bem?” Tentei desmistificar a voltinha fora da rotina, justificá-la e responsabilizá-lo, até para não me largar a correr pelo centro de saúde e eu não ter que lidar também com isso! Percebeu, ficou contente com o ter-lhe sido atribuída uma missão, fez perguntas “mas porque é que ela vai levar a pica?” e a coisa foi.

Correu tudo bem, portaram-se os dois bem mas no momento do “vamo vê” lá largou ela a chorar aquele choro seco a quem até falta o ar, pois claro. O Manel, que estava em cima de nós prontíssimo para cumprir a sua missão, desata às festinhas à mana, “pronto, pronto, Juía, não chores, não chores”, mas rapidamente se afasta e vai brincar. Notei, mas não pude fazer muito mais porque a prioridade era consolá-la.

Bom…, saímos, meto-os no carro, ela sempre chorosa e em lamúria, arranco e diz-me ele lá atrás: “Oh mamã, tu não devias ter feito aquilo com as médicas.” todo condenatório.”Porquê, filho?!” “Porque a mana está a chorar muito.”, sentencia-me ele. Expliquei que a pica é medicamento que do braço se espalha pelo corpo todo e fica a funcionar como uma capa de super herói que protege os meninos dos bichos vírus e bactérias. Certifiquei-me de que percebeu a mensagem e não vai ficar a achar que a mãe os leva para torturas gratuitas. Mas, quer dizer, foi com uma preocupação genuína que ele me disse aquilo e ficou claro porque é que se afastou quando a mana mais gritava: ele estava verdadeiramente perturbado com o choro de dor da irmã. Acontece mais vezes aqui em casa quando ela se magoa a sério, mas como o mais frequente é o choro de arrelia, a reação dele foi mesmo fruto do amor e proteção que sente por ela.

😍

Ao fim do dia, ao ir buscá-los à escola, a educadora da Júlia lá me explica que esteve o dia todo muito chorosa, como previsto, e conta-me que foram pedir à educadora do Manel para ele ir almoçar com ela para a mesa dos meninos da sala dela. Achei a ideia amorosa mas pensei que a seguir me dissesse que ele tinha ido dar um beijinho e que tivesse voltado para a sua mesa, a mesa da sala “dos crescidos”. Mas não, ele almoçou mesmo com ela e nem quis saber se aquela era a “mesa dos bebés” nem se os amigos lhe iam dizer a seguir que ele era bebé! Que querido, pá! Enchi-me de orgulho dele e da relação que os dois estão a construir! Mais ainda quando, ao ir buscá-lo, a educadora dele me diz o mesmo, que ele foi de livre vontade e que se fartou de dar miminhos à mana.

(Aliás, a verdade é que todas me relatam frequentemente as manifestações de carinho entre os dois no refeitório, que é o momento do dia em que se cruzam. Diz que correm um para o outro quando se vêem, dao abracinhos, uns piparotes, e já está, pronto, lá volta cada um à sua mesa e ao seu grupo.)

Este mel que verte do coração deles, e do do meu carro de assalto em particular por ser tão o oposto da pilha personificada que é nos restantes 90% do tempo que está acordado, verte direitinho ao meu coração de mãe que transborda de amor e orgulho.

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Nota mental: lembrar-me disto e de que os terrible two vão atenuando nas próximas vezes em que ela se atirar pro chão em birra, ou fizer o exato oposto do que se lhe está a sugerir, ou der um murro nas costas dos irmãos com o punho fechado.

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