Quando estava à espera do primeiro bebé fui passando gradualmente do estado de “filha” ao de “mãe”, em boa utilização dos 9 meses que a Natureza nos dá para isso. Fiz questão de assistir ao Curso de Preparação Para a Parentalidade (CPPP) e não dei o tempo por perdido, antes pelo contrário, desmistificou imensas coisas e ensinou-me muitas mais. Mas, dito isto, também sei que foi pela maneira apaixonada (para não dizer fundamentalista, porque isso acho que não) com que me foram passadas algumas mensagens, que cheguei a chorar de profunda desilusão e até zangada com o meu bebé por ele não ter dado a volta e ter ficado pélvico, obrigando-me a uma cesariana que não queria, amputando-me do prazer de parir um filho.
Lembro-me de ter lá ouvido pela primeira vez que numa cesariana não se podia fazer o contacto pele a pele nos primeiros minutos de vida do bebé, que não se podia sequer pegar-lhe porque nos amarram as mãos numa posição de Cristo. Que se trata de uma operação, em ambiente desinfetado, e que as mãos eram amarradas por uma questão de higiene, para que, no possível descontrolo causado pela epidural, não levássemos as mãos abaixo do pano azul. Isto e o facto do pai não poder estar presente cortou-me como punhais. Sofri, mesmo.
As amigas desvalorizavam, ninguém entendia porque é que eu fazia tanta questão de parir de forma natural, “fazes questão das contrações e do trabalho de parto?”, diziam-me que nos hospitais privados os pais assistiam sim senhora às cesarianas e era tão fácil pra mim, que tinha seguro de saúde, optar pelo privado… Mas eu confiava no SNS e achei que, podendo ele estar comigo até à porta do bloco e, depois, logo à saída e podendo ficar comigo no recobro, não seria isso que me ia fazer trocar o público pelo privado. Das mãos amarradas, acho que, como eu, também ninguém sabia.
Admito hoje que terei sentido as coisas muito empoladas por causa da tal ideia que me passaram no CPPP de que uma cesariana é facilitismo, é para preguiçosas desinformadas. Não é. Como ouvi dois anos depois, grávida da Júlia, curiosamente no mesmo CPPP, ministrado pela mesma pessoa com a única diferença de, entretanto, ela própria ter tido um filho por cesariana, “uma cesariana é uma operação que salva vidas”.
Fiquei contente por perceber que algum daquele fundamentalismo dela se tinha desvanecido depois da sua experiência pessoal, mas fiquei ainda mais contente por poder estar ali outra vez e poder dizer às outras grávidas, caso ela se pusesse outra vez com aquela mistificação do parto natural versus o “Eh” com um encolher de ombros quando se falava de cesariana, que NÃO É VERDADE que não haja contacto pele a pele nos primeiros minutos de vida numa cesariana, que NÃO É VERDADE que não se promova a amamentação na primeira hora de vida, que NÃO É VERDADE que não nos ponham o bebé no peito e não façam os procedimentos com ele ali. Sim, tinha os braços abertos e as mãos amarradas mas disseram-me “ele vai nascer. Vamos desamarrar esta mão, mas não a pode por para baixo, ok?” e eu, ávida disso e incrédula, prometi que nao, que estava lúcida e não poria a mão se não no meu bebé. E assim foi, assim o tive ali, leoa a lamber a cria. Ninguém mo tirou enquanto eu não estive preparada para isso, ele não saiu do meu ângulo de visão depois disso em momento nenhum e já ia na maminha no caminho para o recobro. Onde já estava o pai à nossa espera.
Uma coisa era verdade: o pai não pôde estar comigo lá dentro. Eu tremia de frio (efeito da epidural) e de medo. Só ouvia bip-bip-bips e uíííís das máquinas que quase se sobrepunham à música do radio. Queria ouvir as conversas dos médicos mas só ouvia partes do treco-lareco das enfermeiras. Por mais que mexesse a cabeça não via mais do que o pano azul e o holofote fortíssimo do teto (e às tantas procurei desviar o olhar dali porque percebi que havia uma borda do dito holofote que até fazia de espelho do que se estava a passar em baixo e eu isso preferia não saber!). Estava perdida, entregue a desconhecidos, quando o que eu mais queria era ter podido ser participativa. E não era o meu marido, o pai daquela criança que estava a nascer!, que me consolava, era uma anestesista espanhola amorosa que nunca tinha visto antes. Não pôde ser uma coisa a três, como no idílio que pintavam no CPPP. Isso não. E, se não me importou nada que ele não pudesse dormir connosco no hospital público (porque sempre tive uma postura muito pratica em relação a isso e sempre achei que não haveria nada que ele lá fizesse que uma enfermeira ou auxiliar não fizessem igual ou melhor, além de que achava que ele merecia dormir bem e que um de nós devia estar com uma noite bem dormida para gerir as visitas no dia seguinte), já o não poder estar comigo no nascimento entristecia-me verdadeiramente. Entendi quando me explicaram que não deixa de ser uma operação e que as regras existem é para ser igual para todos. Mas sempre achei que era uma coisa que podiam humanizar mais, até porque do que me lembro do espaço, é verdade que havia muita gente à minha volta a movimentar-se e muita maquinaria, mas também não era difícil encaixar ali no cantinho um pai ansioso, tanto quanto eu, por ver nascer um filho.
Conquanto que não haja risco clinico, conquanto que o pai se porte bem e não se ponha pra lá a desmaiar e que requeira ele próprio os cuidados do pessoal clinico, aplaudo de pé esta notícia de hoje. Grávida outra vez, a parir daqui a mais de três meses, se Deus quiser, toda eu uma hormona personificada, confesso-te que até já chorei!