O namoro ao longo dos tempos

Um destes dias, ao sentir a pele mais seca do que gostaria, ponho-me à procura do creme de mãos que costumo ter sempre aqui no escritório e, como não o encontro em cima da mesa nem assim logo óbvio ao abrir de uma gaveta, pus-me a procurar a sério por ele, certa de que aqui estaria. E estava. No fundo da dita gaveta. Mas o que é que encontro também, lá bem no fundo da mesma gaveta, onde o braço esticado mal chega? Bilhetes de um namoro com 18 anos.

Não estou a brincar. Por algum motivo, que não consegui ainda descortinar qual, eu, que só trabalho aqui há 16, trouxe esse tesouro já com dois anos de antiguidade, pelo menos, para o escritório e ali o perdi, no fundo da gaveta, a mesma gaveta, durante 16 anos. Não te minto se te disser que até tive dificuldade em recordar algum do contexto daqueles pequenos textos de amor. Mas lembro-me que me eram deixados, bem enroladinhos, na fechadura do meu carro furtivamente durante a noite (para que ninguém os intercetasse ou para que a chuva não os arruinasse) e lembro-me do frio na barriga que sentia de cada vez que encontrava um deles ao meter a chave à porta (há 18 anos, havia fechaduras nas portas dos carros e não apenas comandos à distância. E o meu era XPTO porque tinha fecho centralizado de portas, uma modernice!).

Inevitável deixar-me sorrir e apaixonar-me momentaneamente por aquilo tudo outra vez (nota de realce para o meu marido: por aquilo; não por aquele namorado, ok?! :D). Inevitável também sentir pena por os meus filhos já não viverem nada daquelas borboletas na barriga. Quando for a altura deles namorarem já não vai haver bilhetinhos – terão eles, aliás, a caligrafia treinada?! – já não vai haver aquele compasso de tempo entre o receber do bilhete e o momento do reencontro em que tudo cá dentro se revolve em emoções e em que as mãos suam e em que se ensaiam respostas e reações.

Hoje em dia eles namoram por mensagens instantâneas. Disseram-me há tempos que, lá nas ásias (que lideram o desenvolvimento das tecnologias) – e isto contado por um adolescente japonês – os namoros não têm contacto físico. Os rapazes e raparigas não cruzam dedos; cruzam, no máximo, olhares. Porque o mundo virtual agigantou-se e sobrepôs-se ao mundo real e, portanto, o comum já não é os garotos engraçarem uns com os outros, encontrarem-se e conviverem em grupos de amigos nos intervalos das aulas, flirtarem um bocado até que finalmente chegam à conversa a dois e ao enrolanço, com beijos e mãos dadas, o comum é lá engraçarem uns com os outros, trocarem mensagens no facebook ou noutra rede social qualquer, continuarem a trocar mensagens por aí com um teor mais sentido e mais revelador, vá, substituindo o flirt e o enrolanço, sem que nunca, NUNCA, falem um com o outro ao vivo e a cores.

Bem sei que o fator cultural é determinante e, se na Ásia, onde os povos são caracteristicamente tímidos e reservados, me preocupo com o afastamento entre eles, no mundo latino bem me posso preocupar com a aproximação em demasia e demasiado cedo!! :D) Mas, quer dizer… onde é que está o meio termo? Onde é que está o equilíbrio? Sou um velho do Restelo e só me falta dizer “no meu tempo é que era”?

Os meus bilhetinhos de há 18 anos, tão secretamente guardados que sobreviveram a várias mudanças de posto de trabalho e outras tantas limpezas de gavetas, estão para o século XXI como o discurso da minha avó I. estava para mim na década de 80, ao contar-me que namorava com o meu avô à janela, que quando ele a esperava à porta do seu emprego (a minha avó era uma liberal e trabalhava!) acompanhava-a a casa… mais à sua mãe – que nunca os deixava a sós – e que o primeiro beijinho na boca que deram foi no altar, no dia em que se casaram!

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3 thoughts on “O namoro ao longo dos tempos

    1. mesmo! :)
      na altura eram borboletas a dançar por todo o lado. um esforço de interpretação de cada palavra… e também das entrelinhas, uma quase cobrança pelo que estava e pelo que não estava escrito.
      Hoje em dia, olho para aquilo só com uma ternura desmedida e com um carinho que não mos deixa deitar fora e lá no fundo da gaveta os voltei a por! ;)

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