Não sou economista e por isso não sei avaliar o impacto de uma medida como a redução da carga de trabalho da função pública das 40 para as 35 horas. Mas já trabalhei com estatísticas e sei que os números também se produzem e que se podem interpretar a bel-prazer, não é necessariamente ciência exata. (E também me está a dar gozo assistir a isto da implementação das promessas eleitorais mas afinal sem ser já, já, já, mas, pronto, isso são outros 500.) Do que eu acho que consigo falar, não porque tenha formação académica mas porque sou mãe de dois bebés, é do impacto social da carga horária de trabalho de uma pessoa, seja ela funcionária pública ou por conta de privado.
Acho uma falácia e um belo pretexto para produzir notícias fazer-se aqui a distinção entre funcionários públicos e privados. Com certeza que uns contam para o OE mais diretamente, mas os outros também contam, na medida em que se não houver setor privado a economia não anda. Uma mãe de dois que é professora da EB 2+3 é tão relevante na sua família como uma mãe gestora de projetos da empresa privada cotada em bolsa. As duas deviam poder trabalhar as 35 horas para poderem as duas chegar a casa antes das seis (já para não me dizeres que sou ingénua ou otimista, porque o que eu acho mesmo é que devíamos chegar às quatro), para poderem ir buscar os seus filhos à escola, estar com eles a brincar – é tão importante brincar, caramba… – e só depois começar o espírito tarefeiro do banhos, jantares, embalo, cama.
Eu não sou funcionária pública mas trabalho num sítio onde às vezes nos aplicam as regras da função pública. Quando dá jeito, somos equiparados; outras vezes não. Trabalho, supostamente, 36 horas por semana. Às vezes trabalho mais que isso (sem contar como horas extra pagas), outras vezes é à justa. Vejo por aqui muita gente encostada aos ares condicionados de café na mão. Costumam ser sempre os mesmos. Picam como eu para entrar e para sair. Pode dizer-se que trabalham 36 horas por semana em média? Duvido… Com certeza que também já me enervei na conservatória do registo civil ao ver como o funcionário se deslocava vagarosamente entre a secretária e a fotocopiadora sem se compadecer com a fila de gente que serpenteava pelo átrio à espera. Pode esse funcionário da conservatória ser comparado com a minha amiga N. que trabalha como consultora num grupo privado, que sai de casa ainda de noite e chega a casa já de noite e que, como ela diz, só vê os filhos a dormir?
A natureza do sistema obriga-a a levar essa vida. Aqui, não faz mal andar encostado aos ares condicionados porque ninguém é despedido. Lá, se ela não mostrar resultados, despedem, sim. E como a concorrência é feroz no privado, como há sempre lugar para quem esteja disposto a fazer mais por menos dinheiro, que remédio tem ela se não trabalhar bem mais que as 40 horas por semana.
Mas isso não devia ser o padrão referência.
Ainda outro dia conversava com uma homónima minha da Holanda, grávida do segundo, toda contente, que me dizia que era o seu último dia naquele departamento de Estado, que ia mudar para outro e que tinham sido impecáveis por a selecionar mesmo sabendo que em breve entraria de licença. Conversa puxa conversa, “quanto tempo tens de licença?”, e apercebo-me que lá não há ninguém que trabalhe 5 dias por semana. Ninguém. No Estado. Toda a gente pode escolher ter “folga” (não sei se será o termo) à segunda, à quarta ou à sexta; as terças e quintas são os dias mais cheios de gente nos departamentos de Estado e chega a haver falta de secretárias onde pousar os laptops. Ah, sim, porque me explicou que, como cá acontece com o setor privado, lá não existem gabinetes ou postos de trabalho alocados a A ou B. Quem chegar, senta-se onde houver lugar. E a coisa funciona. Trabalham menos horas por semana, têm seguramente menos stress, e há emprego para todos porque, quando ela está em casa à sexta, alguém tem que lá estar a fazer o trabalho, não é verdade?
O que eu quero dizer é que há bons e maus profissionais em todo o lado e às vezes até no dois setores ao mesmo tempo (estou a lembrar-me dos médicos, por exemplo, que além dos seus hospitais públicos ainda dão consultas na rede privada e não se tornam melhores ou piores consoante entrem ao serviço numa porta ou noutra porta). Portanto isto não devia ser só uma discussão sobre a carga horária do setor público, devia ser uma verdadeira reforma do sistema. Toda a gente devia poder trabalhar 35 horas por semana, toda a gente devia poder sair antes das seis sem que o chefe (e pior, muitas vezes são os pares que olham de lado) perguntasse se vai tirar a tarde, toda a gente devia poder ter luz do dia para estar com os filhos e aqui o verbo estar é mesmo perdida e descomprometidamente ESTAR. Só a olhar para eles, só a vê-los brincar e inventar conversas e situações de faz de conta. Isso é impagável. E o OE devia ter uma rúbrica assim.
Concordo inteiramente. Sendo que a vida também não é só trabalho e filhos…. para quem nao os tem, como eu, prezo muito aquele fim de tarde para um momento de lazer… uma corridinha, um ginásio, cinema, bater perna no chiado ou simplesmente tomar um chá e pôr a conversa em dia… detesto a sensação de casa-trabalho-casa. Afinal… o que lá vamos desta vida??? :*
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Sim, sim, já para não ir por aí, que eu ainda me lembro da minha sessão preferida ser a das 18:30, tens razão.
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Para alem dos afazeres domésticos! Quem tem paciência para limpar a casa ou passar a ferro depois do jantar?! Já basta tratar da cozinha e estender a roupa .. que calha sempre para lá das 23h… definitivamente o dia devia ter mais de 24h :)
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Concordo inteiramente. Sendo que a vida também não é só trabalho e filhos ;)… para quem nao os tem, como eu, prezo muito aquele fim de tarde para um momento de lazer… uma corridinha, um ginásio, cinema, bater perna no chiado ou simplesmente tomar um chá e pôr a conversa em dia… detesto a sensação de casa-trabalho-casa. Afinal… o que lá vamos desta vida??? :*
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