Refugiados

Andei muitos dias a pensar como é que haveria de escrever sobre isto de maneira coerente e fundamentada, a ler coisas, artigos de opinião, comentários em artigos de jornais, etc. Perdi um bocado o comboio porque, agora que já toda a gente falou sobre isto, fica mais difícil deixar aqui alguma originalidade. Então lembrei-me de um trabalho que fiz em fevereiro de 2002 para uma cadeira do meu mestrado em que falava d”As migrações enquanto problema de segurança internacional“. É que até parece ter sido escrito em vidência do que se passaria neste fim de verão de 2015! Atenção à data: fevereiro de 2002, vivíamos estudava no rescaldo do 11 de setembro (e a coincidência da publicação disto hoje?).

Sobre esta crise de refugiados, passo o comentário óbvio – que se trata de seres humanos e que devemos fazer o bem sem olhar a quem como nos ensinou Jesus, sim senhora – e tendo mais a compreender os argumentos menos católicos de gente preocupada com a sanidade das instituições, costumes e cultura nacionais.

Claro que reconheço a diferença entre i/emigrantes e refugiados e o cariz de solidariedade que se impõe a estes e não tanto aos primeiros. Os i/emigrantes instalam-se mais ou menos tranquilamente, mais ou menos legalmente, num país estrangeiro com o propósito de se estabelecer, ao passo que os refugiados vão a fugir do seu país, que é incapaz de lhes garantir segurança. Com certeza que há direitos humanos a proteger e com certeza que, em última análise, não deve haver fronteiras quando se trata de vidas humanas.

Mas uma coisa é um pequeno grupo de exilados que de tempos a tempos pedem asilo; outra coisa diferente é milhares de exilados, todos a fugir ao mesmo tempo, todos a quererem sair de um país e a querer entrar noutro ao mesmo tempo. Como aquelas notícias que nos dão conta de feridos e mortos às portas de discotecas ou concertos ou sei lá mais de quê, porque aconteceu alguma e quiseram sair todos ao mesmo tempo e, simplesmente, não conseguem porque as leis da física implicam que por aquela porta só passem x de cada vez. Acho que é disto que se trata quando há uma vaga de refugiados (ou crise, como lhe chamam nas notícias), da capacidade de escoamento ou da falta dela.

Ora então, voltando ao meu paper de 2002, cujo trigger foi, não uma crise migratória mas o 11 de setembro, escrevia eu assim:

O 11 de Setembro provou que nenhum Estado está imune às novas ameaças internacionais. Estas ameaças são perpetradas não por países inimigos equipados com armamento sofisticado, mas sim por grupos irracionais que não temem retaliações ou, tão-pouco, a morte, que se agrupam a organizações de crime transnacional para traficar armamento convencional, nuclear, biológico e químico, que deturpam a ajuda humanitária internacional e que manipulam informações e atraem homens vulneráveis para as suas fileiras. As migrações não podem, per se, ser consideradas uma ameaça à segurança internacional e no entanto são um verdadeiro risco quando nascem de circunstâncias económicas e sociais degradantes. (…) [Deve-se combater] estes novos riscos a longo prazo e a partir da raiz. Como? Contribuindo para a minimização dos problemas estruturais das sociedades onde eles nascem.

(…)

Este tipo de actores que atentam mais mediaticamente contra a segurança internacional são refugiados que se revoltam contra o poder político do seu país ou cidadãos descontentes e desesperados por novas condições de vida que, dada a pobreza estrutural dos seus países, sabem que não conseguirão alcançar. Esta debilidade origina também as emigrações – normalmente da franja de intelectuais que parte em busca de melhoria do seu nível de vida noutro país – e o êxodo rural ou urbanismo – dos que não vão tão longe e se limitam a procurar a melhoria de condições de vida nas grandes cidades do seu país. Além disso, é no seio das sociedades subdesenvolvidas que mais facilmente se desenvolvem as doenças contagiosas que atravessam fronteiras à velocidade de uma viagem aérea. Não são fáceis de erradicar, especialmente se as infra-estruturas de saúde pública são inexistentes. Portanto, é possível encontrar um nexo de causalidade entre as novas ameaças e a debilidade económico-social dos grupos que as praticam. Pois se a instabilidade interna provoca o descontentamento pessoal e, em último caso, a irracionalidade que ameaça a segurança internacional, é a partir do combate aos problemas estruturais deste tipo de sociedades que se pode assegurar um ambiente internacional mais estável.

(…)

A guerra e actividades a ela associadas (como o genocídio, a limpeza étnica, a ocupação de terras e o saque de bens ou, tão-só a progressiva escassez de comida), a vigência de um regime político opressor (que não equacione liberdades individuais), acidentes ecológicos que provocam a degradação natural (como por exemplo a erupção de um vulcão que destrua cidades inteiras ou a seca continuada que impeça a sobrevivência) e a debilidade socio-económica estrutural (que obriga à intervenção estrangeira) são o primeiro passo para a desordem interna que muito facilmente ultrapassa fronteiras. Não só porque dão origem a grupos rebeldes, de guerrilhas e de milícias que tendem a espalhar-se por regiões inteiras, mas também porque os restantes cidadãos, temendo as consequências, optam pelo escape e pelo asilo nos países vizinhos.

(…)

Nem todas as migrações são sinónimo de ameaça à segurança internacional. O sucesso dos emigrantes que partem à conquista de melhores condições de vida pode significar uma melhoria na Balança de Pagamentos graças às remessas que enviam. Quais são, então, os movimentos migratórios que ameaçam a segurança internacional?

  • Os refugiados que iniciam actividades contra o regime político do seu país conseguindo influenciar outros Estados vizinhos e, até, organizações internacionais e desencadear uma guerra civil com estes apoios (e nestes casos, o Estado acolhedor pode ser confundido como apoiante destas actividades vingativas e ficar com um grave problema diplomático entre mãos; o simples facto de aceitar no seu território refugiados que fogem do regime político pode ser encarado como uma crítica ao país de origem, criando tensão político-diplomática). Outras vezes, aliam-se a organizações de crime transnacional que lhes providenciam armas e documentação e transformam-se em verdadeiros grupos terroristas.
  • As migrações são um problema de segurança interna para o Estado de destino sempre que se assumem como uma comunidade dentro da sociedade e se tornam uma ameaça cultural, social e económica: contribuem para o agravamento dos problemas de sobrelotação ou insuficiência de determinadas infra-estruturas da sociedade como os transportes, a habitação, a educação, os medicamentos, etc. São mais alguns milhares de pessoas a consumir recursos naturais, muitos deles raros e que os [Estados de acolhimento] não teriam, em princípio, obrigação de sustentar por muito tempo. Isto provoca nítido ressentimento e má-vontade por parte dos [nacionais], especialmente se estes grupos étnicos trazem consigo o aumento dos níveis de criminalidade, de delinquência e da dependência da providência estatal. O ressentimento aumenta se começa a ser notório que estas migrações derivam de políticas do Estado de origem propositadas para eliminar da sua comunidade estes elementos não produtivos ou criminosos. Face a isto, a opinião pública (…) poderá obrigar à criação de políticas racistas por parte do governo (…), o que seria contrário aos princípios da liberdade e igualdade (…).

A solução? Até agora, tem-se apostado na ajuda humanitária porque a opinião pública não permite que se negligencie vítimas de guerra e é sensível às imagens televisivas da fome. No entanto, a ajuda (…) de (…) países e de inúmeras organizações internacionais tem representado milhões (…) gastos a fundo perdido. Além disso, as guerrilhas que se formam dentro dos campos de refugiados abusam da ajuda humanitária controlando os mantimentos, condicionando a informação que passa para os restantes companheiros (nomeadamente sobre a situação política do seu país), impedindo os media de transmitir esta realidade ao mesmo tempo que facilitam as imagens do sofrimento que conquistam audiências. A alternativa é reduzir os mantimentos (reduzir o conforto) e exigir a desmilitarização dos campos de refugiados como contrapartida da ajuda humanitária, ainda que se corra o risco ser entendida como uma ingerência nos assuntos internos dos Estados carentes.

(…)

Um Estado sozinho não pode acabar com a pobreza estrutural do mundo, não consegue erradicar doenças contagiosas e fatais, não consegue defender-se de armamento ilícito nas mãos de terroristas. Mas pode aliar-se a Estados que sintam a mesma preocupação com a segurança internacional (…) e dinamizar cada vez mais a sua participação no seio das várias organizações internacionais de que é membro (…). Sem prejuízo da vertente militar da política de segurança e defesa (…), a cooperação deve ser a grande estratégia (…).

“Não dês os peixes, ensina a pescar”. Assim deve ser a atitude face aos Estados subdesenvolvidos, potenciais berços de criminalidade e ameaças à segurança internacional: em vez de construir e financiar campos de refugiados, devem ser organizados fora internacionais de discussão dos problemas estruturais destas sociedades, onde se apresentem casos de sucesso e de onde saiam planos de (re)construção das suas infra-estruturas. Paralelamente, e porque a ajuda financeira não deixa de ser fundamental, (…) deve(…) ser [proposto] um “Plano Marshall” para tais sociedades e promover o investimento nos recursos naturais destes Estados. Deverá separar-se a angariação de fundos da despesa com a ajuda humanitária e criar um “fundo de maneio para refugiados” dentro do orçamento da ONU ou da Cruz Vermelha ou de qualquer outra organização idónea.

(…)

Atual, este meu coiso de 2002, não? Eu era um bocado atrevida nesta solução que apresentava. Tinha vinte e poucos. Mas acho que não mudei de opinião. A História é feita de guerra, os momentos de paz é que são escassos e atípicos. Se aceitarmos isto, relevamos melhor as imagens chocantes da televisão. São horríveis, sim. E eu, que sou mãe, também não consigo ver um bebé no meio daqueles homens todos e não chorar ao imaginar que provavelmente não terá a fralda limpa, que terá frio e que não terá sido alimentado de três em três horas. Mas também andei quatro anos  e depois mais dois a estudar estas coisas da guerra e paz e sei que a guerra é só a continuação da diplomacia por outros meios (a frase não é minha, é de Clausewitz) e que produz resultados mais rapidamente.

Ainda esta manhã ouvia na rádio a notícia de que a Al-Qaeda declarou guerra ao Estado Islâmico (mais uma vez, coincidência de data!) e que isso pode ser uma boa notícia para o Mundo Ocidental! Portanto, vês. Zangam-se as comadres, descobrem-se as verdades e há sempre alguém que ganha com isso. Desgraçados, sim, dos indivíduos que são meros peões de guerra no meio disto tudo.

Católica, dou graças a Deus por esta nossa periferia, característica geopolítica que tão depressa faz de nós Conquistadores como os pobretanas da União para onde nem os refugiados querem vir, mas onde deixo os meus filhos na escola descansada porque a probabilidade de um maluco lá entrar e se explodir será diminuta e onde ainda sei que hoje é sexta e amanhã é sábado, onde ainda sei mais ou menos com o que posso contar!

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