Fomos à (S)Terra

Já se sabe que, com crianças pequenas, há pouco espaço para o espontâneo e que aquela coisa do “e se fôssemos…?”/”‘bora!” já só nos acontece nas memórias das histórias de solteiros. Mas, a mim, lá me calha dos improvisos me correm melhor que as coisas planeadas, e assim foi que, num par de horas, decidimos que havíamos de ir passar o fim de semana “à terra”. Até estamos em agosto e tudo, que é o mês disso, portanto, “‘bora lá!”.

fotografia 8Ainda outro dia falava com a A. sobre como já vai sendo mais frequente, na nossa geração, não ter “terra” para onde ir no verão, no Natal ou na Páscoa, porque já se nasceu em Lisboa, filho de pais lisboetas eles próprios. O hábito de “ir à terra” e as raízes lá se vão perdendo geração a geração. Na dos nossos pais, toooooda a gente ia A1 acima ver a família nas ocasiões festivas. Eu ainda sou neta e sobrinha que “tem terra”, mas já lá vou muito menos do que fui com os meus pais. A A. respondia-me que, no caso dela, já nem a geração acima ia para mais algum lado que não no sentido do mar…

Desta vez pensei nos meus filhos, nos meus tão urbanos filhos, e em como ainda vou a tempo de lhes dar o Mondego e a Serra, o chão com pinhas e os lagos com girinos, os pulsos sem relógio e o cheiro a pão quente. Não levámos um brinquedo de pilhas, sequer. Livros, tenho sempre um ou outro de recurso (prefiro sempre espetar-lhes um livro nas mãos quando estão em pré-birra do que perguntar a senha do wifi), mas não foi preciso nada disso porque a Natureza tem tudo ao dispor da menos fértil das imaginações. E aguça-lhes a criatividade. O que é uma tremenda mais valia face ao passeio em si e ao arejo da cabeça. As mãos na terra, a mistura com água que, ah!, resulta em lama!, os paus que apanhava e que, dependendo do tamanho, tanto faziam de espada de super-herói como de porta-estandarte para um castelo de terra, os pinheiros que emolduravam as montanhas e que pareciam mesmo, mesmo, mesmo as florestas que vêm desenhadas nos livros de contos, as pedras grandes (e perigosas!) que tanto serviam para jogos de escondidas como para, ainda trôpego, se deixar cair, fazer arranhões, perceber que, sim, são perigosas, mas, corajoso, não deixar que isso o afete “mamã,…hãff…, eu estou bem!…hãff…”

fotografia 4edfotografia 6Untitled

Bónus: calhou de irmos mesmo durante as festas! “As festas”, sabes?, as festas do Santo Padroeiro que normalmente acontecem por esse interior fora no mês de agosto e de que nós, na urbe ou a banhos a sul, nem nos aperecebmos. Mas elas continuam a ser organizadas e tanto mais dedicadamente quanto menor é a vila/aldeia/cidade (no meu caso trata-se mesmo de cidade!). Dona Júlia, pobre bebé, não resistiu à sua hora do soninho e caiu podre na cama. Mas o xô Manel foi sair à noite!! A prima J. só falava nisso! Em loop. “Vamos fazer um piquenique à Serra, ai que bom. Mas depois vamos à festa?”, “Sim, J., mais logo vamos à festa” “E há lá brinquedos e insulfáveis e coisas.” “coisas? que coisas, J.?” “Coisas! Pulseiras e isso!” :) “Os meninos o que querem lanchar?” “hum… um gelado. E logo, na festa, vamos aos insufláveis!” “J., e a situação na Grécia?” “por mim, tudo bem, desde que me levem à festa!” :D

Portanto, os insufláveis da feira ainda foram o mais urbano que apareceu nestes dois dias. E a tv que se ligou um bocadinho ou outro, sim, mas apenas para atestar o quão mais crescida é a J., que não se entusiasma quando o Manel canta “sinto-me melhor, muito melhor, obigado dôtora, livou-me do dói-dói, não (me) sentia assim, antes (de) cuidás de mim, (sinto-me) muito melhor, muito melhor agoooooda“, porque “não gosto da Doutora Brinquedos, é para bebés.” o_o E, pronto, é isto, ele, se quiser, que a acompanhe nas aventuras das Winx e das não sei quantas (que, para mim, ainda é matéria por dar!)… mas ele, muito atento ao mesmo que ela, “tiiiia, xai da fente, pu favôr, axim eu não veeeejo…” O_O, como se fosse fiel seguidor daquela gente em fatos cintilantes e asas compridas!…

fotografia 23Acredito que a família é a instituição fundamental da sociedade. Os meus tios emocionaram-se só com a ideia de nos ter. Ficaram a contar os dias até chegarmos e a chorar de saudades quando viemos embora. Bendita decisão tomada de impulso para nos mostrar o quão fácil é fazer alguém feliz…

E foi uma oportunidade de ouro para promover a convivência dos primos, que eu também considero tão importante na formação do ser humano. O amor de irmãos é uma coisa, a relação entre primos é outra. Uma não substitui a outra e ainda bem que, sendo eu e as minhas primas filhas únicas, sabemos fazer por que os nossos filhos convivam como se primos direitos fossem. Além das pérolas que já te contei acima, fica-me deste fim de semana a maneira ternurenta como a J. olha para a Júlia e quer cuidar dela; como, não conseguindo, quase a deixa cair mas a tonta se deixa rir porque lhe pareceu uma cambalhota ao colo da prima; a maneira tutorial como ensina ao Manel os disparates mais divertidos; a maneira como pede “oooh, hoje podemos dormir juntos?” a lembrar e-xa-ta-men-te o nosso discurso de há trinta anos; a maneira como ele olha para ela, claramente a absorver-lhe a experiência a mais (para o bem e para o mal!) e a imita depois… É tudo tão enriquecedor… Para todos. Enche-me o coração vê-los a brincar ou aos saltinhos, de costas, as estaturas em escadinha de 5, (quase) 3 e 1 ano… E fico a pensar que ainda ontem era a J. a minha bebé, antes de ter os meus… que crescida está!…

fotografia 25edfotografia 21edfotografia 13fotografia 24A meio do passeio, (re)encantada com as paisagens da Serra, comentava com o M. que não sabia se gostava mais daquilo no inverno, coberto de neve, se no verão, com os granitos a brilhar ao sol, os verdes vivos a deixar imaginar histórias de lobos e pastores e as águas da montanha, friiiias, a provocar um misto de frescura e dor.

fotografia 5fotografia 11fotografia 7Ao sol, 38ºC. Não se podia senão com a ajuda do Mondego para acalmar o corpo…fotografia 12fotografia 17…À sombra, dormia-se a melhor de todas as sestas, embalados pelo restolhar das folhas, pelas conversas amenas em redor e pela brisa de uma tarde que demorava a passar.

fotografia 10No fim, além das memórias criadas (assim espero!), as nódoas de lama e pó nas roupas e sapatos a servir como indicador de papo cheio de brincadeira e experiências novas – indicador no nível máximo, naturalmente. fotografia 1

fotografia 2E a promessa de voltar em breve. Fruto do improviso ou com mais planos pensados, mas voltar à t(S)erra em breve.

Advertisement

2 thoughts on “Fomos à (S)Terra

  1. Tão bom… Quando eu era pequena a minha avó fazia questão de me levar ao pinhal e “obrigava-me” a abrir bem a boca para deixar entrar o ar puro. Toda a vida me ri disto mas agora que tenho filhos, estou tentada a fazer o mesmo. Estes ares só fazem bem!

    Gostar

Deixe uma Resposta

Preencha os seus detalhes abaixo ou clique num ícone para iniciar sessão:

Logótipo da WordPress.com

Está a comentar usando a sua conta WordPress.com Terminar Sessão /  Alterar )

Facebook photo

Está a comentar usando a sua conta Facebook Terminar Sessão /  Alterar )

Connecting to %s