Certos domingos à noite

Enquanto a noite não escurece atarefo-me a fazer coisas. Todas as coisas têm que ser feitas por aquela ordem, naquele momento e comigo sorridente e galhofeira para que eles não me percebam a inquietude cá dentro. Aqueço as sopas, duas ao mesmo tempo, descasco as frutas para que estejam prontas a servir de carro de bombeiros a umas colheradas já forçadas, dou jantar à Júlia com a mão direita e ajudo o Manel com a esquerda. Enquanto eles mastigam eu lá como também. Depois deixo-o ver um Jake com a promessa de que, no fim, lavamos os dentes. E enquanto o Jake faz das suas, a Júlia adormece. Às vezes ela tarda mais um bocadinho e o Manel tem o bónus do Calimero ou lá o que for que vem a seguir ao Jake. 

Naquele bocadinho em que ela vira e revira e se tenta levantar e chorisca e por fim quebra, fico a imaginar um milhão de coisas. Por norma más. Que o avião cai ou que é sequestrado ou que no destino lhe acontece alguma, sei lá, sou dada ao drama. Imagino cenários, imagino relações de hoje que necessariamente se transformariam, imagino-os a crescer e a fazer perguntas, imagino-me a lutar contra o tempo a apagar memórias, sei lá! Odeio estes domingos à noite.

Depois apaziguo-me com o respirar profundo dela e vou ter com ele, outra vez sorridente para esconder a inquietude, e pergunto-lhe pela combinação de lavar os dentes. Lá me tenta enganar, conta-me a excitante aventura que está a acontecer e como “precisa” de ver mais um episódio (ele diz “mas eu pixijo ver o Piquitão Gancho!”), lá lhe dou a volta, lá o deito e aproveito o ritual de “rezar ao Jesus” para dar graças sentidas pelo dia que passou e para pedir, com todas as minhas forças e já uma lágrima a querer soltar-se, que tudo corra bem e que Deus e Nossa Senhora me ajudem enquanto estes serões não passam.

Os Ídolos não estão mal, mas o Big Brother é que era cá uma ajuda…! 😀

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